Sentou na sala vazia. Queria encontrar aconchego humano, algo diferente das flores murchas no vaso em cima da mesa. Sentiu um perfume cortando o ar, mas sabia que era ilusão. Andava iludido de uns tempos pra cá. Semana passada teve certeza absoluta de tê-la visto pegando um ônibus. Dias depois a viu sentada em um banquinho de um lugar qualquer. Os mesmos traços, os cabelos negros, a pele magra, uma fiel descrição de suas recordações. Atravessou a rua, tentou falar, nenhum som saiu. A viu correr, sumir no vazio que a trouxera, mil lembranças percorreram-lhe a mente. Respirou um segundo ou dois e bloqueou os pensamentos. Não era hora de brincar com o passado e se deixar afundar pelo cheiro inebriante que ali vivia. Primavera chegando, trazendo junto com as flores que brotam recordações. Segurando um retrato em preto e branco, olhou pela janela no meio de uma manhã fria. Atravessou o comodo silencioso, deitou-se na cama um dia já aquecida e fechou os olhos, desejando ardentemente aliviar a dor que queimava na alma, transpassando seus medos. Como se dormir lhe refrigerasse os pensamentos. E entendeu assim, que ás vezes as coisas terão que ir embora. Mesmo que um dia tenham sido tudo, elas se vão. Como pássaros migrando de um polo para outro. Segurando a cabeça pra evitar sucumbir ao sufocamento que preenchia o quarto escuro. Parecia que as paredes estavam se movendo, apertando, pressionando, tornando tudo um grande eco no buraco negro em que se encontrava. Como se precisasse da chuva fria molhando-lhe o rosto e aliviando o pesar. Fechou os olhos e dormiu.
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