quarta-feira, 23 de outubro de 2013

02:37


(5) TumblrSó dessa noite estar fria, eu já me assusto. Só por não estar dormindo do teu lado, eu já sinto como se o vazio chegasse e senta-se calmamente em minha sala de estar. Eu fecho os olhos por dois segundos e respiro fundo, como se isso fosse fundamental pra eu decidir se essa estória vai ter um final feliz ou não. O silêncio parece estar tentando falar comigo e as paredes se movem. Eu sei que tudo isso parece surreal, mas é o que o medo faz as pessoas. E você sempre me disse que estaria aqui por mim. Mas são 02:37 da manhã e aqui estou eu de frente pro vazio que se balança calmamente na cadeira de balanço. Eu me pergunto se devo ser a primeira a quebrar o silêncio, mas ele me lança um olhar divertido e eu vejo que a única piada ali sou eu.SOZINHA. Conto até dez de olhos novamente fechados, uma tentativa frustrada de fazer nada disso ser real. Você não se foi, o vazio não é minha companhia e essa conversa nunca aconteceu.Inútil. Eu,você,o vazio. Tudo isso é inútil.Então eu resolvo que sorrir seria um bom jeito de pedir licença pro vazio e assim que o faço, eu corro.Me tranco no banheiro e ao virar para o espelho vejo a coisa mais horrível que já pude ver em minha vida. O reflexo da solidão, da agonia, do medo e do desespero, misturados a uma pele cansada e envelhecida.Quem era aquela mulher parada ali? Me pergunto antes de perceber que era eu. Eu, Anne Jislon. Eu,mãe do Jason e da Aly. Eu,jornalista do Your Time. Eu,filha de Dylan e Jenna. Eu,ex-mulher de Lian Aidan. Ou seria Eu,sem identidade? Eu,partida, quebrada em mil pedaços.Mas um choro me tira desse tormento. Lavo rapidamente meu rosto e subo pro quarto da Aly. Pobre Aly, tão pequenina e sem pai.Seus olhinhos marejados de lágrimas encontram os meus, perdidos num mar negro. E a única coisa que me pergunto é por que ele não pôde permanecer por ela? Mesmo que não ficasse por mim, mas que estivesse ali por ela. Mas eu jamais a deixaria. Peguei-a no colo e a abracei o mais forte possível, sem machucar aquela garotinha linda. Ela colocou a mãozinha tão pequenina no meu rosto e parecia que aquela menininha de três anos era capaz de sentir e entender todo o meu sofrimento.Vamos ficar bem. Sussurrei, e eu não sabia para quem eu dizia isso.E essa foi a noite mais longa da minha vida. Mais longa até do que o dia em que Jason nasceu. Me lembro perfeitamente desse dia, com toda a nitidez possível. Você voltando pra casa e me encontrando parada na rua. As dores que cada contração me causavam e o momento interminável que durou até chegarmos ao hospital.Mas diferente do dia de hoje, eu vi que toda dor valeu a pena ao ver aquele garotinho loiro sorrir para mim ao chegar neste mundo. E hoje o único motivo para eu estar ali é que eu não tinha para onde ir. 5:36. Meu celular tocou. Fiz um esforço e sai de perto da Ali. Seu nome parecia gritar no visor do meu celular.

- Anne?
- Lian? É você? - sussurro desesperada.
- Anne, me perdoe. - ouço você soluçar do outro lado da linha.
- Por que ela Lian? - é minha única pergunta.
- An,isso não importa agora. Me esculte, preciso ver você.
- Eu estou aqui querido. - começo a chorar.
- An, eu te amo.
- Eu também te amo Lian.
Mas isso não passou de um sonho. E como sempre, eu acordei. Havia adormecido ao lado do berço da Aly. Levantei e procurei meu celular. A última chamada do seu número tinha sido as 8 horas da manhã de hoje. Se eu soubesse que essa ligação mudaria tudo eu nunca teria feito o que você me pediu.Me forcei a descer e procurar pela casa o vazio. Olhei todos os cômodos e não encontrei nada. Suspirei aliviada. O dia já estava amanhecendo.Preparei o café e liguei a TV no The Morning. E não conseguia entender o que havia acontecido. Primeiro sua ligação desesperada me pedindo para não atender o telefone. Depois alguém bateu na porta e saiu. E por fim fotografias espalhadas na varanda. Fotografias suas com Lena Basyl. O que mais doía não era a traição, embora a dor fosse bem forte. Mas a decepção mútua. O nosso coração não é feito pra receber pancadas, muito menos de quem a gente ama. Memórias de todos os encontros da família em que você e Lena brigavam interminavelmente e eu fazia piadas sobre cunhados brigarem tanto. E ali estavam vocês em um teatro interminável.

A dor nos faz aprender que por mais que a vida nos ataque, nos destroce e nos deixe no chão, sempre teremos força para suportar um pouco mais. É preciso se agarrar em algum fio. Algo que te abra os olhos pra vida e te faça perceber que a razão de vivermos vai muito além do nosso entendimento. E a minha luz foi Aly. Foi por ela que eu levantei daquele sofá. Liguei para minha mãe e me mudei para Boston. E foi por ela que eu mudei meu jeito de viver e descobri que o tempo não cura, mas traz pessoas e situações que te fazem amadurecer e ver que tudo vale a pena. E que com o tempo tudo isso cicatriza. E o que passou foi anulado. Fez o seu papel. E é preciso deixar ir. Certas coisas são apenas incertas. São apenas nada. Pó, que o vento cuida de varrer. E os anos passam e tudo aquilo que você achou que jamais acabaria passa a ser como se nem tivesse existido. E já não há dor, nem saudade, nem raiva. Há apenas uma vaga lembrança de um antigo eu. Eu,Anne Jislon. Mãe de Aly e Jason. Eu futura esposa de Kyan Gilbert. Eu,escritora. E é preciso ralar os joelhos uma vez ou outra, pra gente lembrar que a vida é linda e que o amor nunca acaba.

(E essa não é uma carta de amor. Também não é baseada em fatos reais. E muito menos é uma estória de final infeliz. Esse é o diário de Anne Jislon.)

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