
Respirei fundo e olhei uma última vez para Lucy. Gravei bem fundo em minhas memórias o seu rosto. Cada mínimo detalhe. Coloquei a música mais melancólica que pude encontrar e chorei. Chorei como uma criança chora pedindo pelo colo da mãe. E gritei por dentro, como jamais alguém vai poder gritar. Como se cada lágrima caída fosse uma dor, uma ferida. E eu bebi as minhas lágrimas. Engoli cada gota, numa tentativa torta, torpe e errônea de arrumar a bagunça dentro de mim. Tentei escrever uma carta, na esperança falha de reviver cada momento e tentar assim, sei que em vão, reacender em Lucy o que um dia fez acender o amor dentro de mim. Seu sorriso cheio de covinhas e olhares fechados, carregados daquele bom humor e calmaria que só podiam vir de alguém com rosto tão sereno e angelical. Lucy. Minha pequena Lucy. Mas Lucy não era tão angelical assim, não me pareceu nada com um anjo, quando sem pudor algum disse não mais me amar. Ela simplesmente pegou tudo e partiu. Como Jenny deixa Forrest tantas e tantas vezes. E diferente do filme, Lucy não volta e morre ao meu lado. Ela simplesmente não volta. Perece ali, depois daquela porta, que eu nunca tive coragem de atravessar. Eu poderia descrever Lucy em milhões de elogios, por toda a minha vida, mas agora, a única coisa que eu podia pensar de Lucy é que eu jamais a conheci de verdade. E sendo assim, vi o quanto me perdi e me desencontrei. Porque eu achava ser tudo para Lucy, mas jamais fui coisa alguma. Como um moleque que corre meio torto, perdido pelas noites, andando sozinho por aí - foi assim que fiquei quando ela se foi. Eu via Lucy o tempo todo, em todos os lugares. A moça loira na fila do banco que carregava uma criança, a senhora que morava de frente para o meu apartamento e me dava bom dia com um pequeno sorriso amável, na lanchonete da esquina com a rua 26, no ônibus que eu pegava. Via Lucy entrando todas as noites no meu quarto e sumindo pela porta do banheiro pra nunca voltar, no carro que passava ao lado do meu ônibus, ela passava sorrindo, tão feliz quanto eu podia lembrar. Mas quando eu ia atrás, nunca era Lucy. Não, jamais poderia ser ela. Lucy não era loira, nem velha, nem trabalhava em uma lanchonete. Lucy se fora. Então desisti de encontrá-la, sabia em meu íntimo que ela jamais voltaria. Mas um dia, muitos anos, ou talvez fossem só meses depois, eu encontrei quem tanto procurei. E seu nome não era Lucy, chamava-se Aleandra. Um nome bem incomum, mas que fazia parte do que ela era. E bem, sobre ela, posso apenas dizer que não houveram mais delírios e nem bebi lágrimas. E agora eu andava como um menino ainda torto, mas que segurava uma mão quente ao lado da minha e me levava para vários lugares, por muitas noites. Me guiava. E quando pensei que jamais veria Lucy, quando já acreditava que tudo tinha sido apenas um pesadelo imenso, eu estava sentado com a minha adorável Aleandra, em um parque, no período de algum natal de 1963, quando vi Lucy, tão velha quanto eu, andando devagar, com olhos pesados e um sorriso cálido, que nunca pertenceram tão bem a alguém. Aleandra seguiu meu olhar e abaixou a cabeça para as nossas pequenas crianças, filhos de nossos filhos, que brincavam felizes por ali como se entendesse o que se passava e me deixasse livre para ir até lá. Mas eu apenas sorri por dentro, apertei forte sua mão e olhei por alguns minutos para a senhora do outro lado do parque. Lucy contemplou a cena por uns minutos a mais, me olhou fundo nos olhos e fez um pequeno gesto com os lábios, como sempre fazia quando pedia desculpa por algo. Sorri para ela e fiz o mesmo gesto. E assim Lucy se foi da minha vida para sempre, como eu nunca pensei que pudesse ir um dia.
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