
Havia uma razão para eu estar aqui, mais uma vez. Às vezes, não adianta ficar olhando para o céu esperando que um sinal apareça. Algumas respostas não estão lá, estão dentro de nós. E essa, como tantas outras respostas, apareceu assim, numa manhã de sol, céu azul e luz por todos os lados. Eu vi seu rosto essa noite. Ele parecia frio e distante, uma mera representação, um pouco obsoleta, se me permite dizer. O que você realmente é foge aos dicionários, aos vocábulos humanos. Tamanho descaso e dor não podem ser descritos aqui. Mas não foi para isso que eu vim. Havia uma razão e ainda há. Como eu disse, sonhei com você. E por você ainda andar nesses meus sonhos foi que eu percebi que era preciso cortar as pontas soltas. Amarrar ou desatar de vez todos os nós que ainda escapuliam. Talvez eu nunca vá entender os motivos para tudo ter dado errado, mas o que necessito saber é que não era você, nunca foi. E não há chances de um dia vir a ser. Não é que eu mudei, nem que você mudou. É só que nunca esteve escrito nos céus que daria certo. Como num baile de máscaras, nós nos escondemos da verdade por todo esse tempo, por tantos anos. Não enfrentamos tempestades nem nos deliciamos com calmarias, apenas estávamos habituados a não andar só. Meras companhias, acasos, distrações. Eu andava só, perdida por aí, você vinha forasteiro, ao encontro do nada. E de tantas anulações ficamos juntos. Por isso não houve choro quando você se foi. Não houve dor. A dor é ausência do complemento, não tinha você me completando, não tinha eu me doando. Existia apenas o vazio, abismo nosso, a negritude fria em que nos acolhemos tão doce e silenciosamente. Quando estrelas cadentes riscavam o céu, não corríamos para fazer pedidos, esperar por milagres, apenas convivíamos com nossa tão habituada inanição. Então, ficamos assim. Você por aí, peregrino, solitário no mundo, expandindo teu vazio. Eu continuei caminho torto, por ruas desertas e alamedas frias. Mas como eu já disse antes, havia uma razão. E essa razão me fez voltar aqui. Me fez caminhar para trás. Eu esqueci de devolver teu casaco. Sim, esqueci. E precisava me livrar desse fiapinho que me lembrava você. Não caminho mais só. Ao menos não no frio. Eu encontrei em uma dessas rotas da vida, uma luz. Ela é pequena, eu sei. Precisa de cuidados, precisa de amor e paciência. Mas isso eu tenho de sobra, tanto tempo caminhando sobre cacos de vidros me ensinaram algumas coisas e o resto, bem...o resto a gente aprende, não é mesmo? Então vou deixar o casaco aqui, no mesmo cruzamento onde um dia teu olhar frívolo encontrou o meu sorriso amargo. Quem sabe um dia possamos sentar para uma xícara de café ou apenas para uma outra bebida qualquer. Desculpe, na verdade não quero reencontrar-te. Não quero mais silenciar-me. Não quero ter que usar esse casaquinho que um dia iludiu meu coração, prometendo uma história feliz e dando em seu lugar espinhos. Coloquei fogo nas velhas palavras, no velho eu. E agora, tudo que resta é o recomeçar, recriar, reinventar. Que venham as sete ondinhas, os trevos-de-quatro-folhas, as estrelas cadentes, a virada do ano. Que venha o que vier, mas que jamais me venha você outra vez.
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